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Trocando as lentes diante do contexto migratório: Reflexos migratórios invertidos na relação entre Humanos e não Humanos

Em uma sociedade complexa, conforme Norbert Elias e John Scotson (2000, p. 19), é comum o indivíduo se deparar com inúmeras identidades e uma variedade de costumes, sobretudo diante de uma realidade globalizada. Ocorre que, em contextos horizontais e transfronteiriços contemporâneos, evidencia-se uma imbricação excludente estabelecida entre o sujeito em situação de dominação e o outro. É diante desse contexto que se identifica a importância no debate acerca das relações migratórias internacionais e seus impactos que vão além da relação entre Estados e humanos.

Diferente da narrativa antropocêntrica estabelecida pela maioria das pesquisas nesse campo de estudo, algumas abordagens desvelam necessárias ponderações no que tange a conexão entre espécies. Assim, humanos e não humanos estariam ligados devido a um fator que merece destaque: a habitação. Ao abordar tais questões, os animais, em uma conjuntura migratória, apresentam-se como migrantes ao acompanharem os humanos nesse processo. Questiona-se, então, dois pontos essenciais, quais sejam, o abandono dos animais nas fronteiras e a falta de preocupação por parte dos humanos quando os mesmos penetram faunas nativas.

Através destas perspectivas, problematiza-se de que forma as condutas especistas dos humanos, aliadas à realidade migratória internacional, influenciam na atual situação dos não humanos, motivo pelo o qual foi necessária a análise acerca da situação entre Brasil e Venezuela no que tange aos conflitos migratórios ocorridos em 2021, em que humanos e não humanos são obrigados a presenciar na fronteira entre os respectivos países.

Para tanto, objetivou-se analisar as relações migratórias em uma sociedade complexa, sendo feitas considerações acerca da presença de conflitos migratórios na fronteira entre Brasil e Venezuela. Por Conseguinte, é construída uma narrativa onde, em um contexto transfronteiriço, o não humano se encontra no centro da discussão, deixando de lado discursos excludentes e, então, evidenciando as necessidades e dificuldades de ambas as espécies.

Ao final, foi possível perceber que o monopólio estatal, no que tange à efetiva aplicação dos direitos humanos, impede a livre circulação de migrantes entre fronteiras de países soberanos, sendo necessário superar a ideia de comunidade fechada tão presente entre os Estados Soberanos, construindo, portanto, uma lógica de sociedades interdependentes, cujo entendimento universal acerca dos direitos humanos e das relações estatais transversais se mostra de forma protagonizada e diversa.

Acredita-se que a ideia de uma comunidade transfronteiriça pode facilitar a concretização de direitos e garantias fundamentais que ultrapassam o papel do Estado enquanto agente social com poder de dominação cultural, política e econômica, sobretudo em realidade migratórias com contextos complexos e desiguais.

Ao estabelecer uma narrativa diversa da que é habitual, ou seja, sem um viés antropocêntrico, egoísta e singular, será possível perceber que as relações entre humanos e não humanos, dentro de uma construção social de migração, evidencia diversos fatores excludentes que legitimam uma conduta especista e desigual. Isso se dá, essencialmente, em razão da negligência quanto à consideração de interesses. A discriminação especista gera exclusão e esquecimento quando se pensa nos interesses e necessidades dos animais, sobretudo em um contexto de fronteira. Em um primeiro momento, pouco se pensa na situação do animal quando o humano migra para outro lugar, já em um momento posterior, ignora-se de que forma a presença de alguém “de fora” irá afetar a fauna ali nativa.

É necessário que se perceba a necessidade da igual consideração de interesses, cujo objetivo consiste na abordagem igualitária entre humanos e não humanos. Mas, para além disso, é necessário que a aplicação de direitos se apresente através de uma nova roupagem, pois, como narra o Ministro Og Fernandes, é necessário que a aplicação dos direitos seja adequada à realidade no qual o sujeito está inserido. Assim sendo, imperioso ressaltar a importância em superar a ideia individualista e antropocêntrica presente na ideia de dignidade elaborada por Kant, visando incidir também em face dos animais não humanos, à luz da matriz jusfilosófica biocêntrica que é capaz de reconhecer a complexidade evidenciada em qualquer contexto social e cultural.

Ficou interessado? O estudo completo pode ser acessado neste link

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About: Karen Emilia Antoniazzi Wolf

Karen Emilia Antoniazzi WolfAdvogada, professora e pesquisadora científica.
Doutoranda em Direito Público pela UNISINOS, mestra em Direitos Emergentes pela UFSM e presidente da Comissão Especial de Direitos Animais da OAB/Santa Maria (RS).

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